Há treinos que se tornam moda e passam. E há treinos que ficam, porque funcionam. O 30-30 é destes. Simples de explicar, duro de fazer, eficaz para quem quer correr mais rápido sem viver escravo do relógio.
Se andas sempre a fazer “o mesmo treino de sempre”, aquele trote confortável que nem aquece nem arrefece, o 30-30 é o abanão que falta à tua rotina.
Vamos por partes.
O que é afinal o método 30-30?
A regra é básica:
30 segundos a correr rápido
30 segundos a correr muito devagar (ou quase a caminhar)
Repetir. Muitas vezes.
É um tipo de treino intervalado, pensado para trabalhar perto do teu limite, mas sem te destruir logo na primeira repetição. Os 30 segundos fortes são curtos o suficiente para aguentar um bom ritmo, os 30 segundos lentos dão aquele mínimo de recuperação para aguentar mais um, e mais um, e mais um…
No fim, somas muitos minutos de trabalho de qualidade sem parecer que fizeste uma maratona em sofrimento.
Para que serve o 30-30?
Este método é especialmente interessante para quem quer:
Ganhar velocidade sem fazer séries super complicadas
Melhorar o VO2 máx (a capacidade do corpo usar oxigénio em esforço)
Aumentar a resistência à fadiga em ritmos altos
Aproveitar treinos mais curtos, mas com impacto
É um treino típico de pré-época de qualidade ou fase de desenvolvimento, e encaixa muito bem em planos para 5 km, 10 km e até meia maratona.
Quem pode fazer o 30-30?
Quase toda a gente pode usar o 30-30, desde que:
Já corra de forma minimamente regular (2 a 3 vezes por semana, há pelo menos alguns meses)
Não tenha lesões ativas
Não esteja completamente parado há anos
Se és iniciante absoluto, ainda a alternar corrida e caminhada, dá mais umas semanas ao corpo. Primeiro, cria base. Depois, sim, brincas com intensidade.
Se já corres 30 a 40 minutos seguidos com conforto, podes começar a experimentar o 30-30, mas com poucas repetições.
Como deve ser a intensidade dos 30 segundos rápidos?
Aqui é onde muitos estragam o treino.
Regra prática:
Os 30 segundos rápidos devem ser a um ritmo entre o ritmo de 5 km e o ritmo de prova de 3 km; ou, em linguagem simples,
Um ritmo em que consegues falar só em palavras soltas, não frases completas.
Os 30 segundos lentos são mesmo lentos:
Trote solto, quase caminhar, só para não parar.
Se nos primeiros 4 ou 5 minutos já estás a ver o filme da tua vida a passar à frente dos olhos, é porque estás a correr rápido demais.
Como encaixar o 30-30 na semana de treinos?
Regra de ouro:
👉 1 sessão de 30-30 por semana é mais do que suficiente para a maioria dos corredores recreativos.
Podes combinar assim:
1 dia de treino 30-30 (qualidade)
1 ou 2 dias de corrida fácil
1 dia com treino longo (mais tempo, ritmo confortável)
Eventualmente treino de força
Nunca coloques o 30-30 encostado a outro treino duro. Dá espaço ao corpo para recuperar.
Exemplos de sessões 30-30
1. Nível iniciante (já corre, mas pouca experiência em treinos duros)
Aquecimento:
10 a 15 minutos de corrida muito calma
3 a 4 retas progressivas de 15 segundos (vai acelerando, mas sem sprintar)
Bloco 30-30:
6 a 8 minutos de 30 segundos rápido + 30 segundos lento
Na prática, isto dá 6 a 8 repetições
Desaquecimento:
8 a 10 minutos de corrida leve
Alongamentos suaves no final
Se no fim sentes que “até dava para mais um bocadinho”, perfeito. É assim que deves terminar nas primeiras semanas.
2. Nível intermédio
Aquecimento:
15 minutos de corrida fácil
4 retas progressivas de 15 a 20 segundos
Bloco principal:
2 blocos de 10 minutos em 30-30
Ou seja: 10 repetições de 30 seg rápido + 30 seg lento
Descanso entre blocos: 3 minutos de trote lento
Desaquecimento:
10 a 15 minutos de corrida leve
Total de trabalho intenso: 20 minutos em 30-30. Já puxa bem, mas é um treino sólido para quem faz 10 km com alguma regularidade.
3. Nível avançado
Aqui já falamos de atletas bem habituados à intensidade.
Aquecimento:
20 minutos corridos
4 a 6 retas progressivas
Bloco principal:
3 blocos de 10 minutos em 30-30
3 minutos de trote lento entre blocos
Desaquecimento:
15 minutos fácil
Total: 30 minutos de 30-30. Se fizeres isto a sério, não precisas de provar a ninguém que deste tudo, o teu corpo entrega o relatório.
Onde fazer o treino 30-30?
Os melhores sítios:
Pista de atletismo
Super controlado, plano, sem trânsito
Ciclovias ou pistas de corrida planas
Tapete rolante
Ajuda a controlar ritmo, mas atenção ao ego: não exagerar na velocidade
Em trail também se pode usar o 30-30, mas é mais difícil manter a intensidade consistente devido às subidas, descidas e terreno irregular.
Erros comuns no 30-30
Alguns clássicos:
Começar demasiado rápido
As primeiras repetições parecem fáceis, mandas-te para o “modo suicida” e, ao fim de 4 minutos, estás desfeito.
Não aquecer
Ir direto do sofá para o 30-30 é pedir problemas musculares.
Ignorar os dias seguintes
Meter o 30-30 no meio de uma semana já carregada de intensidade é receita para lesão, fadiga ou desmotivação.
Confundir “rápido” com sprint
Sprint é outra coisa. Aqui queremos intensidade alta, sim, mas controlada.
Vantagens do 30-30 em relação a outros treinos
Não precisas de grandes contas de ritmos, distâncias ou tempos complicados.
O formato é simples e mentalmente fácil de gerir:
30 segundos aguento. Depois logo vejo.
Dá para adaptar a qualquer nível: só muda o número de repetições e a intensidade.
É óptimo para quem tem pouco tempo, mas quer treinar com cabeça, não só “acumular quilómetros”.
Cuidados a ter
Antes de encher a semana de 30-30, lembra-te:
Se tiveres histórico de problemas cardíacos, respiratórios ou articulares, fala com um médico antes de entrar forte em treinos deste tipo.
Se estás em fase de regresso após lesão, começa com volume muito reduzido.
Escuta o corpo: dor aguda, sensação estranha ao nível do peito, tonturas, visão turva? Para. Não é dia de herói, é dia de bom senso.
Conclusão: um método simples, mas nada “pífio”
O 30-30 é daqueles treinos que parecem quase ridículos de tão simples que são, mas deixam marca. Não é “moda”, é ferramenta. Serve para quem quer:
Deixar de viver eternamente no “ritmo confortável”
Sentir as pernas a trabalhar a sério
Evoluir, mesmo que só tenha 1 ou 2 treinos de qualidade por semana
Se nunca experimentaste, escolhe uma semana mais leve, mete o 30-30 no plano e vê como o corpo responde. E, claro, toma nota dos tempos, da sensação e do impacto nos treinos seguintes.
Um dia vais olhar para trás e perceber que muitos dos teus recordes começaram aqui: num simples 30 segundos rápido, 30 segundos lento.


