
O treino em jejum, há muito utilizado por atletas de competição, tem vindo a tornar-se uma tendência entre quem procura emagrecer. No entanto, os especialistas alertam para os riscos desta prática sem um acompanhamento adequado.
O treinador pessoal António Braz reconhece que, nos últimos dois anos, treinar em jejum tem ganho popularidade, mas acredita que se trata apenas de uma moda, impulsionada pela procura de uma solução rápida para a perda de gordura.
“As evidências científicas demonstram que há riscos. Os processos metabólicos da gordura e a quantidade de açúcar disponível no sangue são difíceis de controlar”, afirmou em declarações à agência Lusa.
A lógica por trás do treino cardiovascular (como corrida ou caminhada) em jejum assenta na ideia de aproveitar o período de baixas reservas de açúcar para estimular a queima de gordura mais cedo no exercício.
“No entanto, o cérebro consome preferencialmente açúcar e, na sua ausência, o organismo é obrigado a produzir corpos cetónicos. Se este estado se prolongar, pode levar à cetose, aumentando a acidez do sangue”, explica António Braz, que também é professor de capoeira. A acidose prolongada pode ter efeitos prejudiciais para a saúde.
O ex-médico da seleção portuguesa de futebol, Henrique Jones, considera que uma refeição ligeira cerca de uma hora antes do exercício “é fundamental para garantir reservas energéticas que alimentam os músculos”.
Ainda que, do ponto de vista cardiovascular, o treino em jejum não represente um risco imediato, Jones defende que esta abordagem é incorreta, pois pode causar fadiga precoce e agravar microlesões musculares.
“Há uma tendência para associar esta metodologia ao exercício físico quando o objetivo não é o bem-estar físico e mental, mas sim a perda de peso e gordura corporal a qualquer custo”, admite.
Por outro lado, José Gomes Pereira, especialista em medicina desportiva, recorda que o exercício em jejum é uma estratégia usada há décadas por atletas de alto rendimento.
“Se o exercício for estritamente aeróbio, de baixa intensidade, e a pessoa estiver clinicamente saudável, não há qualquer risco. Indivíduos metabolicamente saudáveis utilizam preferencialmente gorduras em detrimento dos açúcares durante esforços leves, sem provocar hipoglicemia reativa ao esforço”, explica.
O problema surge quando a intensidade do treino não é bem controlada, podendo ultrapassar o limiar de utilização das gorduras e forçar o corpo a recorrer aos açúcares disponíveis.
“Quem pode fazer exercício aeróbio em jejum? Atletas e pessoas com boa condição física. Estes estão treinados para utilizar preferencialmente gorduras e poupar açúcares. Já quem não está treinado tenta forçar o organismo a adaptar-se e corre riscos desnecessários”, alerta o antigo médico do Sporting.
Apesar disso, Gomes Pereira não considera o treino em jejum um “bicho-papão”, desde que seja bem orientado e praticado por quem tem preparação física adequada.
Pedro Carvalho, da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto, partilha a mesma opinião: “O treino em jejum faz mais sentido para atletas do que para pessoas sem grande preparação física”.
“Não é uma estratégia indicada para qualquer um. É necessário ter um mínimo de capacidade cardiovascular. Quem quer queimar gordura deve preocupar-se em treinar mais e alimentar-se melhor. Não é por treinar duas ou três vezes em jejum que terá grandes benefícios”, acrescenta. Além disso, o principal fator determinante na queima de gordura é a condição física e a quantidade de massa muscular.
Segundo o site de uma das maiores cadeias de ginásios em Portugal, os benefícios do treino em jejum para a perda de peso são reduzidos: “Pesando os prós e os contras, seria necessário um ano de treino em jejum, comparado com o treino após uma refeição, para perder apenas um quilo. Será que esse quilo justifica os riscos para a saúde?”.
Gomes Pereira alerta ainda para a pressa em perder gordura antes do verão, recorrendo a “dietas da moda” e treinos inspirados em revistas: “Quem aposta no treino em jejum para emagrecer rapidamente não se limita a isso. Acaba por fazer restrições alimentares excessivas, o que pode ser perigoso”.