O Almoço Executivo

O que é que os executivos com a vida ocupada e os maratonistas ou ultramaratonistas de elite, possuem em comum? Não muito (felizmente) mas ambos podem incorrer (literalmente, no caso do atleta) no problema da hipoglicémia – pouquíssima glicose no sangue.

A glicose é praticamente o único substrato utilizado pelo cérebro, e se a sua concentração no sangue descer para muito abaixo de metade do seu valor normal, o cérebro é afetado. Os sinais e sintomas incluem suores, fraqueza, distúrbios da consciência e confusão. Na melhor das hipóteses, é desagradável; na pior, é muito perigosa.

Existem duas principais causas que levam à hipoglicemia durante a atividade física para a maioria de nós. Primeiro, o glicogénio do fígado funciona como uma reserva para manter os níveis de glicose no sangue dentro dos limites normais. Quando a glicose no sangue desce, o glicogénio é degradado para produzir glicose no sangue e, quando nos alimentamos, as reservas de glicogénio do fígado são repostas. As hormonas, especialmente a insulina e o glucagon, desempenham um papel importante na regulação destes processos. As pessoas diabéticas que tomam insulina (naturalmente ou sintetizada) podem ser particularmente propensas a sofrer de hipoglicemia. A segunda fonte de glicose disponível durante o exercício encontra-se no próprio sangue, sendo transportada para todas as células, e quando os carboidratos se esgotam, outras fontes energéticas, como os ácidos gordos, são usadas.

Por outro lado, o corredor de maratonas, ou mais provavelmente o ultramaratonista, que exerce o corpo por longos períodos, reduz as reservas de glicogénio do fígado e direciona toda a glicose para os músculos que estão a ser solicitados. Se não houver nenhuma reposição alimentar, na maioria das situações, os mecanismos de controlo falham e o resultado é hipoglicemia. É surpreendente como, nas maratonas, têm havido pouquíssimos casos de hipoglicemia grave. No entanto, na maratona de Boston em 1982, Alberto Salazar e Dick Beardsley lutaram nos últimos 16 quilómetros e Salazar venceu com um novo recorde de 2h08m52s, apenas um segundo à frente de Beardsley. Após a prova, Salazar entrou em hipoglicemia e desmaiou, mas foi recuperado rapidamente. Na primeira maratona olímpica feminina de 1984, nos Jogos de Los Angeles, Gabriela Anderson-Schiess completou os últimos metros visivelmente em colapso (apesar de, segundo a análise médica, não estar em hipoglicemia, mas sim com incapacidade muscular devido à falta de irrigação sanguínea).

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Então, porque razão o executivo pode sofrer? Para começar, as suas reservas de glicogénio podem ser esgotadas até à hora do almoço. Mas isso não seria um problema, já que poderia repor o glicogénio com os nutrientes ingeridos na refeição, incluindo carboidratos. Porém, se o almoço for perdido ou insuficiente, o glicogénio não será reposto, levando o organismo a queimar as reservas existentes sem reposição.

Infelizmente, o executivo que arrisca fazer exercício físico ao início da tarde, sem perceber que está a esgotar as suas reservas de glicogénio sem reposição alimentar, pode rapidamente ficar com hipoglicemia. Sem glicogénio no fígado para produzir glicose, o cérebro e os músculos começam a sentir os efeitos. A pessoa pode sentir-se confusa, fraca e, em casos extremos, pode até desmaiar, sintomas que são muito semelhantes aos dos diabéticos em crise de hipoglicemia.

Felizmente, tal como acontece com os maratonistas, as concentrações de glicose no sangue podem ser rapidamente restauradas com a administração intravenosa fornecida pela assistência médica. No entanto, casos de hipoglicemia grave em executivos distraídos podem ter consequências fatais, como atravessar uma estrada de forma insegura. Existem também relatos de incidentes de hipoglicemia em voos prolongados, devido à falta de alimentação adequada. Portanto, o conhecimento básico da bioquímica é fundamental, não só para atletas, mas também para técnicos, médicos e todas as pessoas em geral.

In “Corrida Ciência do Treino e Desempenho” Eric Newsholme, Tony Leach e Glenda Duester

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