A Organização Mundial de Saúde recomenda que as crianças se dediquem mais à prática desportiva. Na verdade, existe um problema de saúde que cresceu assustadoramente nas últimas décadas. Falamos do excesso de peso e da obesidade infantil. Este crescimento é o resultado de um conjunto de circunstâncias que tem como vítima, principalmente as crianças que vivem nos grandes centros urbanos. Existem fatores que certamente contribuem para que este quadro seja motivo de uma preocupação cada vez maior:
– A “diversão virtual” dos jogos/vídeo e programas de computador, é certamente o mais sedutor dos fatores de contribuição para a redução da atividade física da criança. Cada vez mais, as crianças estão substituindo as brincadeiras que antes envolviam movimento pela contemplação do écran de um monitor, sentadas no sofá.
– Outro problema tem a ver com erros estratégicos dos pais no estímulo da prática de desportos. A criança precisa de diversificação de atividades. A ideia de tentar impor uma única modalidade de prática desportiva, até por conveniência ou comodidade, acaba por não funcionar. A criança vai sentir atração e ter aderência por atividades nas quais ela encontre principalmente a diversão. A prática desportiva tem que ter o caráter de proporcionar momentos lúdicos, à semelhança das brincadeiras infantis que existiam antigamente.
– O exemplo por parte dos pais é também muito importante. Existem pesquisas que comprovam que filhos de pais que levam vida sedentária, têm o dobro da probabilidade de também se tornarem adultos com vida sedentária e com excesso de peso. É difícil uma criança ter vida ativa se o exemplo que ela encontra dentro de casa é o de pais sedentários.
– Finalmente, temos o problema dos maus hábitos alimentares. Aqui existem vários inimigos. A começar pelos estímulos sedutores de consumo de alimentos extremamente calóricos e nutricionalmente inadequados. A falta de informações corretas sobre conceitos básicos de nutrição também tem enorme influência. A criança acaba tornando-se vítima de uma falta de vigilância nutricional dos pais e responsáveis e adquire maus hábitos que infelizmente tendem a perpetuar-se.
Todos temos de encarar com urgência este problema, caso contrário o prognóstico é muito sombrio. Se todos os estudos já apontam para uma enorme incidência de excesso de peso na nossa população, a tendência para as próximas gerações será de ter que lidar com a obesidade como o principal problema de saúde pública no país.
Mas afinal, qual é a idade ideal para as crianças começarem a correr?Pesquisas mostram que, normalmente, uma criança ativa entre os seis e oito anos de idade, tem os valores de VO2 máximo tão elevados ou às vezes, até maior do que corredores adultos que treinam cerca de 48 a 64 km numa semana.
A visão de que as crianças são fisiologicamente capazes de correr longas distâncias é apoiada por registros de grupos etários em todo mundo. As pesquisas mostram também que as crianças adaptam-se fisiologicamente ao treino de resistência e melhoram a performance na corrida.
A partir destes dados, pode-se concluir que as crianças são realmente capazes de treinar e competir em corridas de longa distância. No entanto, antes de iniciar os programas de treino para as crianças, deve-se considerar os seguintes pontos:
Não há trabalhos que provem que corredores de longa distância devem começar a treinar numa idade precoce para atingir o seu maior potencial. A maioria dos corredores de classe mundial não começa a treinar muito jovem. E, com muito poucas exceções, encontramos crianças que se destacaram em idades precoces a evoluírem depois para atletas de elite.
Investigação consistentemente mostra que, antes da puberdade, adaptações fisiológicas ao treino, nem sempre são correlacionadas com o desempenho em eventos de longa distância. Para as crianças pré-púberes, os fatores que melhor predizem o desempenho na distância está simplesmente relacionada com a maturidade física: mais altas, crianças fortes e mais rápidas, levam a vantagem em corridas de distância, assim como elas se destacam noutras modalidades como o basquetebol ou o futebol.
Embora muitas crianças tenham naturalmente altos níveis de condicionamento aeróbico, tornando-as fisiologicamente capazes de realizar atividades de resistência de baixa intensidade, elas são limitadas na sua capacidade de gerar energia para as atividades de alta intensidade. O corpo tem dois sistemas principais para a produção de energia durante o exercício: o sistema aeróbio, que opera quando uma quantidade suficiente de oxigénio está disponível para os músculos, e o anaeróbio, que opera quando o suprimento de oxigénio não pode acompanhar a demanda dos músculos durante a atividade de alta intensidade. Um das descobertas mais consistentes na ciência pediátrica do exercício é que o sistema anaeróbio não está totalmente desenvolvido até que as crianças passem pela puberdade.
Jovens fisicamente imaturos que empreendem grandes volumes de treino intenso, estão em risco relativamente elevado para as lesões, crescimento anormal, maturação precoce e desgaste psicológico. Considerando esses pontos, recomenda-se que as crianças não comecem o treino regular e especializado para corrida de longa distância, pelo menos até que os estágios iniciais da puberdade, por volta de idades de 11 a 13 anos, estejam iniciados.
Isto não quer dizer que as crianças menores de 11 anos não devam participar em eventos divertidos, provas infantis e lúdicas na escola ou em provas do seu escalão. Deve-se encorajar as crianças de todas as idades a correr por diversão e saúde. Apenas se aconselha adiar a formação regular, definida como mais de três dias por semana durante períodos de vários meses, e formação especializada, o que significa concentrar-se apenas em correr.
Por Manuel Sequeira
Fonte: https://revistaatletismo.com