No dia 25 de dezembro de 2024, enquanto o mundo celebrava o Natal, tomei uma decisão simples, mas que mudaria tudo.
Depois de sete anos parado, com 112 quilos, exausto de trabalhar à noite, pai de três crianças e a viver longe de casa, na fria Escócia, decidi correr.
Cinco quilómetros.
5 km em 26 minutos e 27 segundos, a 5:16/km.
Cansado, ofegante… mas livre pela primeira vez em muito tempo.
Não corri por vaidade. Corri porque queria voltar a acreditar em mim.
Os meses seguintes foram um campo de batalha silencioso.
Treinos sob chuva, gelo na estrada, temperaturas a rondar os 0 °C.
Dias sem dormir depois dos turnos da noite.
Dias em que as pernas pediam descanso, mas o coração pedia coragem.
E dias em que deixei de estar presente em momentos importantes dos meus filhos, acreditando que, um dia, ao verem-me cruzar uma meta, eles entenderiam o porquê.
Perdi peso. Ganhei fé.
Cada quilómetro foi uma pequena vitória sobre o homem que eu fui — aquele que se deixava para trás.
Sou imigrante, longe dos meus pais, dos meus amigos, das minhas raízes.
Aqui, apenas eu, a minha mulher e os nossos três filhos, a tentar construir uma vida num país frio e diferente.
Mas foi nesse silêncio, nessa solidão, que encontrei a força para continuar.

Corri a minha primeira maratona sozinho, sem público, sem medalhas. Apenas para treinar a mente.
Não era sobre tempo, era sobre resistir.
Tudo para chegar à minha maior prova: a G2E Ultramarathon 2025, 92 quilómetros entre Glasgow e Edimburgo.
As semanas antes da prova quase me derrotaram.
Uma dor no joelho forçou-me a reduzir os treinos.
O medo voltou.
Mas também voltou a lembrança de onde comecei… e de quem me esperava em casa.
Na manhã de 11 de outubro de 2025, às 6h00, na linha de partida, dei o meu primeiro passo.
Corri 92,58 km, durante 11 horas e 14 minutos, a um ritmo médio de 7:17/km.
Apenas eu, a estrada, o silêncio e os meus pensamentos.
Eu e o objetivo de cruzar a meta, custasse o que custasse.
Nos últimos quilómetros, já não era o corpo que corria, era a alma.
Pensei nos meus filhos, na minha família, nas noites de trabalho, no frio, na solidão, nas vezes que quis desistir.
E percebi que, mais do que correr, estava a renascer.
Cruzar aquela linha não foi apenas terminar uma corrida.
Foi recomeçar uma vida.
Hoje sei que o impossível só existe até alguém o fazer.
E se um pai imigrante, cansado, longe da família, a trabalhar à noite, com três filhos e o coração cheio de fé, consegue perder 30 quilos e correr 92 quilómetros com apenas nove meses de transformação…
então qualquer pessoa pode mudar a sua história.
Basta dar o primeiro passo.

Pedro Pires
Primeiro português a completar a prova G2E Ultramarathon
Finalista, 168.º lugar na classificação geral
“É erro vulgar confundir o desejar com o querer.
O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os.”
— Alexandre Herculano
Por Pedro Pires


