Fernando Mamede, não obstante estar, desde há vários anos, retirado do Atletismo de competição, continua, naturalmente para surpresa de muitos portugueses, em plena ordem do dia, conforme podemos comprovar pelo artigo que agora saiu a lume na prestigiada revista italiana “Atletica”. Na realidade, a marca de 27.13,81, obtida na distância de 10.000 metros, em Estocolmo, na tarde de 2 de Julho de 1984, que estabelecia então um novo Recorde do Mundo, catapultaram, para sempre, Mamede como mais uma figura de grande relevo no vasto panorama do Atletismo internacional.
Lembramos que Mamede (nascido em Beja a 1 de Novembro de 1951), foi o último europeu a conseguir a marca de Recorde do Mundo nos 10.000, seguindo depois pela nova marca do atleta mexicano Arturo Barrios (ver o quadro anexo da evolução histórica do Recorde do Mundo na distância) e depois a “avalanche da ditadura” dos fantásticos corredores africanos.
Perante esta realidade, é absolutamente lógico que o jornalista da mencionada revista italiana queira evidenciar o feito do atleta alentejano, o “último europeu”, lembramos de novo, que, embora talvez um pouco já esquecido em Portugal, tem o seu nome para sempre no historial do Atletismo Internacional.
Na realidade, Mamede sempre “falhou” nos momentos dos campeonatos e, a comprová-lo, basta referir que ao longo da sua longa carreira de corredor, “apenas” conquistou uma Medalha de Bronze com o seu 3.o lugar no Mundial de Cross disputada em Madrid a 28 de Março de 1981. Em todos os outros Jogos Olímpicos, Mundiais ou Europeus o seu potencial surgiu como que apagado, qual corredor mediano quando o seu potencial atlético era enorme, bem confirmado pelos suas melhores marcas pessoais: 1.500 m, 3.37,98 (29 de Julho de 1976); 5.000 m, 13.08,54 (17 de Setembro de 1983);
Agora, a revista “Atlética” enaltece que o Recorde do Mundo de Mamede ficou intacto de 1984 a 1989, e são vários os pontos curiosos que o jornalista italiano descreve no seu trabalho, nomeadamente o tipo de preparação que o corredor leonino seguia nas suas semanas típicas de treino e que, com a devida vénia, passamos a transcrever:
| Dia da Semana | Manha | Tarde | |||
| Segunda | 40′ de corrida lenta | 30′ de aquecimento + 20X200 para 29″ com 60″ de repouso + 20′ de corrida lenta | |||
| Terça | 40′ de corrida lenta | 75’de corrida em terreno ondulado | |||
| Quarta | 40′ de corrida lenta | 20′ de aquecimento + 20X400 para 61″ com 60″ de repouso + 20′ de corrida lenta | |||
| Quinta | 40′ de corrida lenta | 20′ de corrida lenta | |||
| Sexta | 40′ de corrida lenta | 20′ de aquecimento + 3X3.000 para 8’30” com 3 a 5′ de repouso + 20′ de corrida lenta | |||
| Sábado | 75′ de corrida lenta | ||||
| Domingo | Repouso | ||||
Quanto ao volume semanal quilómetros percorridos em treino, a sua média cifrava-se nos 180 km, divididos por cinco dias de treinos bi-diários, um de treino único e um dia de repouso. Os esquemas do Prof. Moniz Pereira, naturalmente sempre centrados na melhoria dos ritmos competitivos, como é facilmente percetível pelas três sessões de treinos cronometrados na pista, são focados na revista transalpina, numa clara demonstração de que o treino regular, simples e direto é sempre fator primordial para a evolução de qualquer corredor, independentemente do seu potencial atlético inicial.
Aliás, nos tempos que correm, têm surgido vários esquemas de preparação para corredores de fundo e meio fundo que, quanto a nós, pecam pela complexidade de esquemas, algo confusos para qualquer atleta e, consequentemente, com resultados práticos, em termos de marcas, muito duvidosos. Já lá dizia o grande treinador neo- zelandês Arthur Lydiard: “para qualquer corredor, a aplicação de esquemas simples de treino, e perfeitamente compreensíveis pelo atleta, deverá ser sempre a base para se 32 conseguir resultados a 100% do seu potencial”.
CICLO DE TREINO PORTUGUÊS
Eis um exemplo resumido do ciclo de treino conduzido pelo Prof. Moniz Pereira a partir do mês de Outubro.
Segunda = Endurance fora do estádio
Terça = 10×400 m intervalo nunca superior a 90”
Quarta = corrida em terreno acidentado
Quinta = Endurance na praia
Sexta = Endurance na praia
Sábado = 2×3000 m com 8 minutos de recuperação, sendo a 2a mais rápida do que a primeira
Domingo descanso
Os treinos de repetições à terça e ao sábado evoluíam da seguinte forma:
2a semana = 12×400 m e 3×2.000 m
3a semana recuperação =15×400 m e 4×1.500 m com 6′ de
4a semana = 20×400 m e 5×1.000 m com 5′ de recuperação
De registar que no princípio da Primavera os 400 m são substituídos pelos 200 m e mais tarde pela distância de 100 m. No Verão aplicava-se o esquema das series degressivas (500, 400, 300 uma vez por semana).
Saliente-se que Fernando Mamede em Forma era capaz de efetuar sessões de treino de 10×400 m com 60″ de intervalo para tempos de 61″…
No quadro em anexo poderemos ver aquilo a que a revista “Atletica” denomina como o “Ciclo de Treino Português”, naturalmente utilizado por Mamede e muitos dos seus colegas de treino. São tópicos gerais, mas que dão uma ideia do trabalho constante, diário, desenvolvido pelos corredores do Sporting e que, de certa maneira, fazem-nos pensar no vazio de bons corredores de fundo portugueses em que se caiu nos últimos anos…
Portugal já chegou a ter um extraordinário leque de corredores de meio fundo e fundo, cimentado não só por um único treinador mas sim por uma ou duas dezenas de bons treinadores que apostaram em conseguir “fazer” grandes corredores. Com os anos a passar e a “Escola” foi ficando cada vez mais débil e a tal ponto que se caiu na situação atual onde no sector masculino passamos a ser um país de corredores sem grande expressão. Exceção para algumas atletas femininas que ainda conseguem ombrear com as melhores mas sempre atrás das africanas.
Moniz Pereira, com os seus planos bem simples e compreensíveis, conseguiu, com Fernando Mamede e uma mão cheia de outros





