À primeira vista, os movimentos inerentes ao yoga e ao trail running podem parecer muito diferentes, mas a verdade é que as duas modalidades têm em comum uma característica importante: focam-nos no momento presente. Se perdermos esse foco no momento presente podemos dar com o nariz no tapete ou numa poça de lama; podemos desistir à 3ª repetição do Urdhva dhanurasana (postura da ponte) ou na famosa “parede” de uma maratona.  

A prática de yoga ajuda os trail runners a enfrentar terrenos irregulares com controlo e agilidade e oferece uma protecção extra contra lesões. As posturas de pé melhoram o equilíbrio, a coordenação e desenvolvem força muscular nos membros inferiores, o que é importante para diminuir a vulnerabilidade dos músculos e articulações. A força do core que o yoga propicia também são úteis ao trail. Músculos abdominais e dorsais fortes mantém o troco erecto e um correcto alinhamento da pélvis , o que nos permite uma moção mais eficiente na corrida. Aliás, quanto mais conscientes e ligados o nosso core quando estamos a fintar rochas e árvores, mais eficiente vai ser a nossa resposta.

O que fazer?

O Yoga – quando praticado de forma progressiva (e não apenas performativa) e consciente – aumenta a força muscular e o alcance do movimento: dois atributos importantes a desenvolver quando se corre em pedras, montes e terrenos ‘aos altos e baixos’. Entre as posturas ‘simples’ que um trail runner pode fazer, uma boa sequência incluirá as seguintes:

  • Tadasana (postura da árvore) que fortalece o tronco inferior e o core.

  • Virabhadrasana III (postura do guerreiro): tonifica os músculos abdominais, aumenta a resistência nas pernas torneando-as. É a postura realmente indicada para corredores, pois dá vigor e agilidade. Fortalece ainda os pés, tornozelos, quadríceps, pélvis e core. Facilita, portanto, o movimento lateral no trail.

 

  • Garudhasana (postura da águia): é uma ótima postura para desenvolver o equilíbrio em terreno irregular, sobretudo porque as mãos interceptam o olhar, o que dificulta o foco, dando-nos um desafio extra. Além disso, reforça os tornozelos e promove a flexibilidade nos ombros. É uma postura muito recomendada também para prevenir cãimbras nos gémeos.

  • Shalabasana (postura do gafanhoto): em qualquer das variações desta postura, os músculos das costas e core são fortalecidos. Para além de ajudar à digestão e aliviar problemas gástricos, esta postura é muito útil para quem sofre com dores na lombar ou no sacro. Da minha experiência, pessoas com hérnias discais beneficiam de uma prática regular desta postura. A bexiga e a glândula da próstata também são beneficiadas.

  • Utkatasana: outra postura chave para corredores, pois alonga e fortalece os gémeos (gastrocnémios), o calcâneo, e o tendão de Aquiles. Fortalece ainda os quadríceps, tonifica abdómen e dorsal e flexibiliza os ombros.

 

  • Podemos adicionar uma postura hibrída: meio agachamento com joelho oposto no chão que fortalece gémeos, tíbias, tornozelos e pés, dando equilíbrio e flexibilidade às articulações e músculos das pernas.

Naturalmente, sugerimos que estas posturas sejam precedidas de 3 a 5 (ou mais se quiser J) surya namaskara (saudações ao sol, os burpees do yoga :)) e que sejam executadas com um ritmo de respiração certo, amplo e completo. O ritmo da respiração é fundamental não só porque há uma relação estreita entre a forma como respiramos e a paisagem emocional e mental, mas também para tirar o máximo partido destas posturas, mesmo quando o objetivo é apenas complementar o trail running.  Pode usar as saudações ao sol também como aquecimento antes de uma corrida.

Como é que estas posturas ajudam?

O que vai ler a seguir serve tanto para quem só pratica yoga ou só corrida ou para quem faz as duas coisas. Esta é uma confusão muito comum entre os praticantes de yoga.

Por exemplo, se já torceu um tornozelo, muito provavelmente isso aconteceu devido ao estiramento ou alongamento desproporcional dos ligamentos que dão estabilidade a essa articulação. Se isso já aconteceu consigo, ainda se deve lembrar o quanto o seu tornozelo demorou a recuperar, uma vez que, como os ligamentos não são vascularizados, o tempo de recuperação deles é bem maior do que o dos músculos. Só para lembrar: os ligamentos são feitos de tecidos fibrosos densos de colágeneo, cuja função é a de limitar o movimento das articulações. Os ligamentos, ao contrário dos músculos, não se alongam. Por outras palavras, quando estica um ligamento, há uma grande probabilidade dele não voltar ao seu comprimento original. O resultado? Fragilidade articular.

Se a função dos ligamentos é proteger as articulações limitando os seus movimentos, alongar essas estruturas pode resultar na instabilidade das articulações e, consequentemente, a lesões. Pessoas flexíveis têm uma maior tendência para a instabilidade articular e para se magoarem tanto a praticar yoga como a correr. Ou seja: Excesso de mobilidade = instabilidade = lesão.

Vejamos agora algumas situações “chatas” relacionadas com tornozelos e pés.

Problemas do pé comum em corredores e yogis

  1. Fascite plantar

Normalmente, causa uma dor intensa no calcanhar ou no arco do pé após um período de descanso. Assemelha-se à sensação de uma facada. Essa dor resulta do tecido cicatricial que o corpo produz, p.ex., durante o sono.

Por que acontece?

Vários factores podem contribuir para a fascite plantar, mas primeiro é preciso descobrir as causas. Uma delas é a existência de tensão nos gémeos, que estão ligados às fascite plantar através do tecido conjuntivo do calcanhar. É por isso que este é um problema bastante comum entre corredores, ciclistas ou entusiastas do spinning. Outros factores, tais como o pé chato, desalinhamento dos pés, pés pronados ou supinados, obesidade podem gerar ou exacerbar a condição.

O que fazer?

Ir a um podologista. Há já uma série de ferramentas disponíveis para lidar com o problema. Na sua prática de yoga, pode enfatizar posturas que reequilibrem a tensão em torno do tornozelo. O surya namaskara é uma excelente sequência, tal como posturas como o adho mukha swanasana (postura do cão), utkatasana e flexões à frente.

  1. ‘Pé chato’

Trata-se de uma condição hereditária que costuma ser passada de geração em geração, mas pode originar várias complicações, incluindo, imagine, dores de cabeça. A perda dos arcos devido a trauma pode ser beneficiada com terapia física, mas também com a prática de yoga que, normalmente, é recomendada para pessoas com problemas de saúde dos pés.

Pessoalmente, considero os movimentos da saudação ao sol como fundamentais para a saúde dos pés, sobretudo se incluir variações da postura do guerreiro, pois permite um amplo leque de movimentos do pé. Flexões à frente flexibilizam gémeos e bíceps femorais, o chaturanga dandasana (push up), pressiona os dedos dos pés, alongando as extremidades dos pés. Urdva mukha svanasana alonga o topo do pé ao mesmo tempo que fortalece os músculos do canto oposto. O adho mukha também alonga os gémeos e todas as posturas de pé são extremamente benéficas para os pés.

  1. Dor de tornozelo

No yoga, a principal causa para esta dor – para além de executar precipitadamente a postura de lótus – é a falta de flexibilidade no tornozelo, mas não ao mesmo tipo de rigidez como podemos ter nos bíceps femorais. Trata-se, antes, de uma falta de flexibilidade associada ao tecido conjuntivo, mais concretamente à má aderência desse tecido. Se sentir um ardor ou dor numa área considerável no exterior do tornozelo, há uma boa probabilidade de o problema ser da aderência desse tecido.

Ginastas, corredores, jogadores de ténis ou de futebol, ou qualquer atleta cuja modalidade exija mudanças súbitas de direcção, são particularmente propensos a entorces. E normalmente, torcemos sempre o mesmo tornozelo.

Esperando que esta reflexão possa ter sido útil, lembramos que o próximo artigo será sobre como integrar a anatomia e saúde do joelho na prática de yoga.

Boas práticas, bons trails e tudo de bom!

Filipa M. Ribeiro