IRÃO AS CORREDORAS ULTRAPASSAR OS HOMENS? 

Por Alain Bernard 

Somos do tempo em que a chegada à meta de uma atleta feminina, antes de qualquer corredor do “sexo forte”, era quase vista como uma ofensa a roçar a humilhação. Então, as mulheres apenas podiam correr oficialmente a distância de 1.500 metros. Sob o ponto de vista fisiológico, sempre estiveram aptas para os complexos processos da maternidade, mas “essa coisa” de correr longos percursos não era permitido sob a defesa da bandeira de que o organismo feminino não podia suportar tamanha dureza…

Somos desse tempo, de facto, mas, depois, todos ou quase todos os tabus foram caindo, e hoje, numa época em que já é “normal” ver alguém do sexo feminino chegar bem na frente de muitos bons corredores, começa a levantar-se outra questão: virá um dia em que a melhor marca mundial da maratona feminina ultrapassa a masculina?

Aqui está um tema para debate quase tão velho como o mundo. Se tivermos em atenção as velocidades de evolução dos diferentes recordes mundiais de ambos os sexos, nos últimos trinta anos, pode-se estabelecer uma correlação com curvas de tendências quanto ao futuro.

UMA LONGA LUTA 

A participação das mulheres nas provas de fundo, tanto nas competições de pista como nas de estrada, tem um longo e penoso historial. Pierre de Coubertin dizia: “uma Olimpíada feminina é impensável, impraticável, inestética e incorreta”. 

Nos Jogos de 1928, em Amesterdão, quando as concorrentes dos 800 metros terminaram a prova demonstrando grande sofrimento, a imprensa da época não poupou críticas à organização. “Espetáculo lamentável!”, foi clamação geral e, a partir desse dia, as mulheres foram banidas das distâncias superiores àquela distância. A base de tal critério era uma neblina quanto a conceitos pseudo-fisiológicos e tinham como ponto de apoio uma ideia errónea, segundo a qual a Endurance da mulher era inferior à do homem, impedindo-a de realizar esforços prolongados sem risco para a sua própria saúde.

Cinquenta e seis anos mais tarde, em Los Angeles, a Maratona Olímpica era aberta 31 ao “sexo fraco” e, nos dias de hoje, não se encontra qualquer especialista que apoie as teorias da chamada “Endurance fraca das senhoras”.

EFEITO PENDULAR 

Por um estranho efeito pendular, aos poucos, chegou-se mesmo à conclusão de que a mulher possui, sem dúvida, capacidades de Endurance superiores às do homem, tendo por base o seguinte princípio: a percentagem de gordura é ligeiramente superior no corpo feminino comparativamente à do masculino, de que resultam maiores reservas de lípidos, a energia essencial para esforços prolongados. Pelo exposto, conclui-se que as senhoras, quanto a reservas energéticas, estão mais habilitadas para tais esforços.

Hoje em dia, a fisiologia diz-nos que, apesar de inúmeros estudos laboratoriais, as gorduras não constituem um factor determinante, dado que, para uma distância de 42 km, os dois sexos têm, à partida, as reservas necessárias para esse período de esforço. Em contrapartida, torna-se fundamental que os músculos das pernas utilizem durante a Maratona, e durante o maior tempo possível, essas reservas de gordura, precisamente porque são reservas quase inesgotáveis, ao nível das ancas das senhoras e da estatura dos homens.

Desta economiza-se “supercarburante”, os açúcares, de que depende a marca final numa prova de longa duração.

O importante, não é ter grandes reservas de açúcares, mas, sim, saber como “queimá-las” antes de se iniciar o seu consumo.

RESERVA DE GORDURAS 

Se as reservas adiposas fossem sinónimo de Endurance, teríamos os pelotões de ciclistas e maratonistas repletos de indivíduos obesos. Basta ver a silhueta de Grete Waitz, ou de Rosa Mota, para nos apercebermos de que não é por essa via que vamos encontrar o segredo.

Alguns poderão afirmar que as senhoras se encontram mais favorecidas quanto à forma como mobilizam as gorduras. Se tal fosse o caso, essa vantagem permitir-lhes-ia, com efeito, economizar as suas reservas de glicogénio (açúcares) e poderia explicar um nível superior de Endurance. Infelizmente para os defensores desta hipótese, as últimas pesquisas científicas demonstraram a sua ambiguidade, chegando-se a dados evidentes de que as mulheres utilizam a mesma proporção de gordura do que os homens. Nem mais, nem menos…

Paula Radcliffe é a actual recordista do mundo da Maratona com a extraordinária marca de 2h15.25. Poderemos sonhar com a conquista da Medalha de Ouro por parte de uma possível sua neta em hipotética maratona mista e que ultrapasse a melhor marca até aí obtida na distância por atleta masculino? Uma dúvida que aqui deixamos!…

Se nos detivermos a analisar as marcas obtidas pelas mulheres e pelos homens nas provas de estrada, poderá parecer-nos que isso é dificil. Mas é bom termos presente que este tipo de provas depende de três grandes fatores:

▸ EFICÁCIA DA PASSADA 

▸ CONSUMO MÁXIMO DE OXIGÉNIO 

ENDURANCE. 

Se recordarmos que a mulher possui mais Endurance que o homem, ela é, no entanto, penalizada em termos da sua morfologia. Em potência, a sua força muscular é inferior em 40% à do homem, enquanto a capacidade de treino dos músculos é proporcionalmente a mesma.

VIRILIZAR AS MULHERES… 

A diferença do potencial muscular deriva diretamente da hormona denominada testosterona. Esta última, no homem, encontra- se no sangue a um teor 20 vezes superior ao que podemos encontrar no organismo feminino. Ora acontece que, depois dos anos sessenta, os anabolizantes fizeram a sua aparição nas provas longas e envolvendo ambos os sexos. Os cientistas estimam ser mais fácil “tornar viril” uma mulher do que “supervirilizar” um homem. Assim, atletas femininas submetidas a tal preparação não deveriam ser consideradas mulheres autênticas. Ao ingerir hormonas masculinas, acabariam por se tornar homens!…

Se examinarmos atentatemente a evolução dos recordes nos últimos anos, em termos de provas de Maratona e em ambos os sexos, apercebemo-nos que a progressão foi travada por algo estranho.

Esta estagnação parece indicar-nos que a luta contra o doping começa a ser eficaz. Por outro lado, o corpo feminino talvez esteja mais fracamente adaptado às provas longas porque, em média, as pernas são mais curtas, a bacia mais larga, coração e pulmões mais pequenos. Na mulher, o sangue transporta menos oxigénio do que no homem, proporcionalmente às dimensões do corpo, e parece que isso é devido a esta diferença de consumo de oxigénio, o que justifica os resultados mais fracos das mulheres. Comparativamente maratonistas masculinos, podemos dizer que são inferiores em 11,25%. Em contrapartida, nas provas de velocidade, onde o consumo de oxigénio é quase nulo, a diferença entre os campeões dos dois sexos cifra-se em 6,38% no caso dos 100 metros.

A título de curiosidade, lembremos que a natação de fundo é o desporto que melhor se adpta aos dois sexos. Nesta especialidade de aos Endurance, a aptidão de flutuação do corpo feminino e a sua capacidade para OS movimentos coordenados compensam grande parte a relativa fraqueza ao nível da força muscular e capacidade respiratória.

Face às diferenças morfológicas e fisiológicas induzidas pela hormona masculina, cuja secreção é influenciada pelos genes sexuais, parece lógico pensar-se seriamente num certo igualar de sexos, no que se refere a provas longas. De certa forma, poderíamos afirmar que as mulheres irão igualar e até ultrapassar os resultados registados pelos homens, mas em anos anteriores, e nunca os baterão em competição direta mista.

Em contrapartida, existem mulheres que podem, em qualquer momento, nas competições de força, velocidade e potência, e até mesmo em Endurance, ultrapassar os atletas masculinos que não pertençam ao quadro da elite.

Por exemplo, certos homens, com todo o treino e toda a boa vontade do mundo, nunca poderão bater uma velocista como Merlene Ottey ou uma maratonista como Paula Radclif.

Esta “derrota” dos seres masculinos não será nunca, como se compreende, uma prova de superioridade fisiológica ou da existência de qualquer “supermulher”. Na realidade, e de acordo com a posição do Prof. Fernand Plas, acabamos por cair na seguinte máxima: “Uma mulher que saiba correr bem vence um homem cuja técnica e rendimento físico sejam menos elaborados