O treinador Ken Smith, com mais de duas décadas de trabalho em África, explica que as séries curtas “ao estilo queniano” evitam um problema típico como a “hipertrofia dos músculos lentos, melhoram a passada e o desempenho”.
“Para o maratonista queniano, essas séries de 12×1000 ou 6×2000 feitas pelos europeus são muito raras; para completar 12 km, eles fazem no mínimo 30 séries, nenhuma com mais de 600 metros”, afirma Ken Smith, treinador com muitos anos de trabalho no Quênia.
ASSIM FAZEM as suas SÉRIES OS MARATONISTAS QUENIANOS
Não posso garantir que esse tipo de série tenha começado no Quénia nem que seja chamado assim em outro lugar, mas permitam-me a licença, pois no Quénia todos os atletas treinam dessa forma e, na Espanha, por exemplo, não é muito comum. Dito isso, aqui está o que são as séries ao estilo queniano: séries cada vez mais curtas e, quase por obrigação, mais rápidas.
Vamos tomar como exemplo um treino que fiz com Florence Kiplagat duas semanas antes da maratona de Londres. Ela faz poucos treinos na pista para a maratona, mas naquele dia, na pista do campus central da Universidade Moi de Eldoret, Renato Canova propôs este treino: 10×600, 10×400 e 10×200. No total, 12 km de treino, mas não da maneira como muitos maratonistas fazem (12×1000 ou 6×2000), mas buscando ritmos mais rápidos que exigem trabalho de força.
Essas séries ao estilo queniano não são exclusivas para os fundistas. Algum corredor de 3’30” nos 1500 metros já fez treinos de 2×800, 2×400 e 4×150. O objetivo é trabalhar um pouco a resistência nas primeiras séries e depois, quando a fadiga começa a chegar ao corpo, evitar correr de forma lenta nas séries longas e progredir para séries mais curtas.
Biomecanicamente, esse tipo de treino faz muito sentido porque, com a fadiga, se continuarmos correndo a mesma distância, os nossos passos se encurtarão e isso pode nos dar dois resultados:
- Aumentamos a frequência para manter o ritmo de corrida.
- Mantemos a mesma frequência e, portanto, o ritmo diminui.
Em ambas as situações, o resultado pode ser semelhante para nosso organismo: um treino ineficaz. No primeiro caso, onde se aumenta a frequência da passada, o treino se foca nos músculos do quadril que, embora importantes para correr, não colaboram tanto na economia de corrida quanto os da panturrilha. No segundo caso, as consequências são piores. O encurtamento da passada implica que nossa musculatura rápida (que nos permite aproveitar o mecanismo de mola do tendão de Aquiles, por exemplo) é insuficiente e pede ajuda à musculatura lenta para colaborar com o impulso. Esta musculatura, por ser mais lenta, gera menos potência e, por essa razão, a passada é menor. E o problema é que com este treino estamos “treinando” isso.
Fazer séries longas quando a fadiga não nos permite manter o ritmo marcado (ou, para ser mais claro, prolongar os treinos até o ponto de correr cada vez mais devagar) gera hipertrofia da musculatura lenta e isso é um peso que não podemos nos permitir. Nossa técnica será pior e nosso desempenho, também. E isso mesmo treinando muito! Mas não treinamos com inteligência nem utilizamos as séries ao estilo queniano. Ou acaso acredita que os atletas quenianos sempre ganham apenas porque nasceram no Quênia? Não; a verdade é que treinam muito. De fato, treinam tanto os ritmos altos que frequentemente fazem recuperações longas entre série e série, mas isso é outro assunto e não vou me estender mais aqui.
Como conclusão e a título de exemplo, aqui estão algumas ideias para fracionar seus próximos treinos e torná-los um pouco mais semelhantes ao estilo queniano:
- Se quiser fazer 12 km, faça como Florence: 10×600, 10×400 e 10×200.
- Se quiser fazer 10 km, tente isso: 2×1500, 3×1000, 4×500, 8×250.
- Se quiser fazer 6 km, aqui um exemplo: 2×1000, 3×800, 4×400.
- Se quiser fazer 4 km, experimente isso: 1×1200, 1×1000, 1×800, 1×600, 1×400.
Os ritmos não são apontados porque dependem do seu nível, mas você poderia começar a série mais longa no seu ritmo de 10 km e, a partir daí, cada vez que diminuir a distância, deve ir um pouco mais rápido. Quanto às recuperações, entre um e dois minutos entre as séries, podendo prolongar até 4 ou 5 minutos entre os blocos. Parece bem?
E lembre-se: trata-se de não treinar demais suas fibras lentas, então se perceber que está difícil manter o ritmo previsto para uma série, em vez de sofrer e acabar mais devagar, pare. E na próxima repetição, faça uma distância menor (isso é ideal para pessoas que treinam em grupo: em vez de se descolar e continuar, pare quando perder o contato e volte a se unir na próxima série).





