Se quiséssemos ser rigorosos, para completar uma meia maratona no asfalto teria que correr 21 quilómetros (mais 97 metros) durante um percurso regular que não oferece quase nenhum obstáculo. Talvez seja por isso que há cada vez mais corredores de estrada que estão inclinados a fazer a transição para os trilhos e para a montanha sem se preocuparem com os quilómetros exatos que têm que percorrer em determinado tempo.

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Segundo a ATRP – Associação de Trail Running de Portugal (www.atrp.pt), “no trail running esses parâmetros invertem-se e correr o mais depressa possível deixa de ser a prioridade, pois o que interessa é superar-se a si mesmo em cada corrida que faça. Mas prepare-se, pois em vez de correr 60 minutos a um ritmo veloz e regular como faz na estrada, o mais provável é passar entre 2 a 3 horas em constante desafio físico, por isso esqueça o cronómetro”.

Uma corrida de trail running não tem que ser necessariamente em ambiente de montanha, tem apenas que decorrer em ambiente natural. “Um bom exemplo disso é a célebre Maratona das Areias, que se desenrola no deserto marroquino, uma exigente prova de trail que decorre em dunas, em areia e com ambientes distintos. Esta diferença de cenários é a primeira distinção do trail running face a qualquer outro tipo de provas de corrida”, refere o presidente da ATRP.

A segunda distinção “é a possibilidade de serem efetuadas em semi ou total autossuficiência, pois numa corrida de trail o participante tem que levar consigo o equipamento necessário – todo ou parte dele – que lhe permita transitar e ‘sobreviver’ entre dois pontos de apoio/abastecimento”, explica a Associação de Trail Running.

É de salientar que, por vezes, estas provas decorrem debaixo de condições extremas e adversas, tanto a nível do terreno como das condições meteorológicas. Para sermos realistas, a verdade é que enfrentar 21 km fora de estrada é uma proeza realmente interessante e não está ao nível de qualquer atleta, pelo menos logo no início. Caso não consiga completar uma meia maratona é capaz de ser cedo para enfrentar uma corrida longa de trail running que requer uma exigência diferente… e maior. Mas se a sua intenção é experimentar num futuro próximo, está de parabéns!

O entusiamo pelo trail
A grande motivação para experimentar esta modalidade passa, acima de tudo, pelo desafio e pela capacidade de superação individual.

Ter a oportunidade de praticar desporto em contacto direto com o mais puro que existe na Natureza não está ao alcance de muitas outras modalidades. A possibilidade de poder aceder e conhecer locais diferentes e enfrentar a incógnita dos obstáculos que cada prova oferece é uma mais-valia motivacional para qualquer atleta.

Na estrada a corrida corre o perigo de se tornar mais “monótona” pela sua regularidade, ao passo que num trilho, numa montanha ou num percurso mais acidentado é quase impossível que isso aconteça. Em provas de trail running o atleta aprende a confiar mais em si e a depender dos seus próprios recursos para chegar mais longe. É quase como que um regresso às origens incentivado pela superação pessoal e pelo espírito de aventura.

A realidade nacional
Estamos quase em 2017 e o trail running está a viver uma época dourada. É a modalidade outdoor que mais tem crescido nos últimos três anos nos Estados Unidos e em França, e em Portugal tem tido um aumento exponencial a nível de inscrições.

O número de participantes no território nacional tem suplantado as expetativas e a prova disso é o aumento do número de inscritos na Associação de Trail Running de Portugal. Existem cada vez mais provas, mais atletas e um enorme entusiasmo para colocar esta modalidade no topo das preferências em termos de desporto de resistência. Resta saber se todo este entusiasmo não irá retirar participantes dos míticos 21 km no asfalto, mas a verdade é que o trail running também despertou a curiosidade para o fenómeno crescente do ultra trail, ou seja, da ultra distância no trail.

No entanto, se ainda não é capaz de completar uma corrida em estrada com três dígitos (pelo menos 100 km) é demasiado cedo para se aventurar nesta vertente quase extrema do trail. Se, no entanto, esse é mesmo o seu objetivo, seja realista e não queira dar um passo maior que a perna. “Comece pelos trails curtos, depois para os trails longos e só depois de bastante experiência acumulada é que deverá enfrentar um ultra trail”, recomenda a Associação de Trail Running de Portugal.

Não estamos a dizer que é impossível (antes pelo contrário), mas prepare-se com calma e com sabedoria. Para começar a sua preparação, saiba que as provas com percursos entre 15-25 quilómetros são uma preparação excelente, já que além de muito satisfatórias são atleticamente exigentes.

Esqueça o cronómetro
Para os mais exigentes, convém salientar que “um percurso de trail que tenha entre 15 e 25 quilómetros é completamente diferente dos mesmos quilómetros percorridos no asfalto”, alerta o presidente da ATRP.

Mesmo entre corridas de trail, e ainda que a distância possa ser semelhante de corrida para corrida, é importante salientar que as diferenças quanto ao tipo de terreno e à superfície por onde se tem que correr tornam demasiado difícil obter uma medição aproximada do tempo final de prova. Ainda que uma prova de trail running possa ter os mesmos 21 quilómetros de uma meia maratona, muitos dos atletas nem se referem a elas como meias maratonas de trail running, mas sim como provas de meia distância.

Na montanha e nos trilhos fora de estrada nunca é fácil limitar-se a uma medida tão concreta como os 21 quilómetros: se assim fosse, teriam de ficar de fora imensas provas com percursos atrativos e cujas distâncias não correspondem na exatidão aos tão badalados 21 km.

Quanto tempo dura a prova?
No asfalto torna-se muito mais fácil fazer cálculos para se aproximar da sua marca/objetivo, visto que é possível saber (mais ou menos) a velocidade média que pratica durante a prova. “No trail running o caso muda de figura, pois nunca é fácil repartir a energia e o esforço enquanto se debate com 21 km com desníveis, subidas, descidas e com superfícies muitas vezes instáveis.

Esta capacidade para gerir o esforço e controlar os tempos só está ao alcance de corredores que acumulam experiência ao longo de várias provas deste tipo”, refere o presidente da Associação de Trail Running de Portugal. O normal é que os tempos finais de uma prova de trail sejam condicionados pela variante do desnível (subidas e descidas) e pela componente técnica do percurso. Quanto maior o desnível positivo (subida), maior é a dificuldade do terreno para impor o seu ritmo, logo mais tempo irá demorar até terminar a prova.

Ainda que nas descidas normais possa correr mais depressa do que em terreno plano, no trail a realidade nem sempre é assim. “Uma descida estreita, acentuada ou com uma superfície muito técnica faz com que a sua velocidade seja muito menor, pois a passada é sempre mais curta e cautelosa”, explica o presidente da ATRP.

Outra questão relevante que deve ser levada em conta são os distintos tempos obtidos pelos atletas entre uma corrida de 21 km em asfalto e outra fora de estrada. Se na estrada a diferença entre o primeiro e o último classificado não costuma ser superior a uma hora, depois de vários quilómetros de trail running a distância final entre o vencedor e o último classificado pode chegar às 2-3 horas. Este dado é bastante relevante e demonstra que, além da capacidade física e do talento do atleta para correr com eficácia em terrenos técnicos, é preciso muita experiência para ficar bem classificado no final de uma competição.

Qualquer pessoa pode vencer?
Primeiro que tudo, não se pode esquecer que uma corrida de trail runningnão é tarefa fácil. Afinal de contas, são distâncias percorridas em terrenos exigentes.

Analisando friamente, qualquer ser humano sem treino dificilmente seria capaz de completar 5 km ao ritmo dos atletas do top 10 deste tipo de provas. “Tentar completar uma prova deste género é algo muito sério e que não está ao alcance de qualquer pessoa sem a preparação adequada, pois os participantes têm que correr durante horas em permanente concentração e em constante superação dos obstáculos que a Natureza proporciona. É, contudo, uma experiência fantástica e muito compensadora” explica a ATRP.

Resumindo, é um desgaste físico e mental muito considerável, mas em simultâneo é uma grande aventura e que não é impossível. Antes de enfrentar uma prova destas deve melhorar a sua condição física, mas se nunca praticou desporto, eis as recomendações da Associação de Trail Running de Portugal:

1 – Seguir um plano de treinos adequado.
2 – Estipular objetivos realistas e alcançáveis.
3 – Submeter-se a um completo reconhecimento médico, incluindo uma prova de esforço e uma eletrocardiograma. Deve certificar-se que a sua capacidade e o “motor” estão em perfeito estado.
4 – Adquirir material técnico com o qual se sinta cómodo (falaremos disto mais à frente).

Em jeito de conclusão, ainda antes de passarmos à fase dos equipamentos, a verdade é que qualquer pessoa pode concluir uma prova de trail running se se submeter a um plano de treino de acordo com a sua capacidade atlética, que esteja em perfeita condição física e trace objetivos realistas e concretizáveis. O trail running serve para se testar e superar, prova após prova.

Espírito de solidariedade
Uma das características mais fortes desta modalidade é o espírito de camaradagem existente entre todos os atletas. Se numa maratona um corredor tiver um entorse, são raros os que param para ajudar, visto que o cronómetro é o maior desafio nestas provas.

Por sua vez, “as diretrizes no trail são diferentes e encontrar um atleta lesionado no meio do percurso e não parar é algo impensável. Existem procedimentos que são recomendados nestas situações, tais como permanecer junto do atleta, verificar se está em condições de transitar até ao próximo posto de abastecimento e, caso não esteja, ficar com ele até se aproximar outro atleta que venha de trás e fique com ele para que o primeiro possa avançar até encontrar um elemento da organização que possa auxiliar”, explica a Associação de Trail Running de Portugal. A verdade é que nunca se deixa ninguém sozinho no trail e até é comum ceder parte do equipamento (água e alimentação) a um atleta que esteja em dificuldade.

Princípios gerais do treino
Caso tenha alguma preparação física prévia, ou seja, já pedala, corre, nada, joga futebol ou basquetebol há mais de um ano, bastam-lhe algumas semanas de treino específico para poder enfrentar uma prova detrail running sem grandes dificuldades.

Mas não confunda concluir com ganhar: são coisas muito distintas! Porém, se vai partir do zero, terá que se submeter a um plano de treino muito mais intenso e planificado. O segredo está no treino. Quanto mais (e melhor) treinar o seu corpo e a componente muscular, maiores serão as suas possibilidades de ser bem sucedido.

O ideal é treinar com alguém que se preocupe consigo, com os seus resultados, com a sua saúde e que esteja habituado às diferenças entre as corridas no asfalto e fora dele. Outro segredo, qualquer que seja o seu nível, “é o treino mais longo nos trilhos realizado em regime de endurance, o trabalho de limiar lático, e se possível o reforço muscular feito em ginásio (sobretudo excêntrico) e o trabalho propriocetivo. Não interessa se já competiu antes em modalidades de cross, asfalto ou pista, pois estes recursos são imprescindíveis e devem ser trabalhados de forma constante”, diz a Associação de Trail Running de Portugal.

Fazer boa gestão da nutrição e alimentação
Numa prova mais curta, os erros de uma má gestão da nutrição e hidratação são facilmente minimizados, dado que o corpo não está submetido a um esforço tão longo que possa desfalecer. “Numa prova de estrada estes aspetos são importantes para uma boa classificação, mas não são determinantes.

Por sua vez, numa prova de trail esta gestão é realmente determinante, pois mesmo uma prova de 21 km, por exemplo, pode demorar cerca de 3 horas ou mais a ser concluída num ambiente e terreno adversos, onde o desgaste físico é maior”, alerta o presidente da ATRP.

A reposição de eletrólitos e a ingestão de calorias em quantidade suficiente é um dos aspetos em que os corredores mais tendem a falhar, mesmo os mais experientes. Esta gestão pode ser feita de diversas formas: “há quem prefira recorrer somente aos pontos de abastecimento que existem ao longo do percurso, e outros atletas preferem levar consigo quase tudo o que necessitam para fazer a gestão ao longo da própria prova.

Para quem não gosta de mastigar enquanto corre (convenhamos que não é uma tarefa propriamente fácil), existem vários tipos de gel que fornecem a maior parte dos elementos nutritivos de que o corpo necessita para ter energia durante a prova, assim como existem pós solúveis com componentes a nível de eletrólitos, proteína e hidratos de carbono”, refere a Associação de Trail Running de Portugal.

A estratégia depende de atleta para atleta, mas o importante é que não seja descurada, pois à medida que a distância aumenta torna-se mesmo essencial, sobretudo se estivermos a falar de uma prova de ultra trail. Assim sendo, é obrigatória uma disciplina muito grande para evitar que o corpo entre em falência.

Alguns autores e atletas norte-americanos chegam a definir o ultra trailcomo uma “runningeating and drinking experience” (experiência de corrida, alimentação e hidratação). Não é por acaso que o fazem, visto que a comprová-lo está a fasquia das desistências a rondar os 50% em algumas das provas mais longas. E não é porque os atletas não estejam preparados fisicamente, mas sim porque claudicam na gestão da hidratação e da alimentação.

Equipamento indispensável
Escolher o melhor equipamento, consoante as características da prova e do terreno é uma mais-valia para ser bem-sucedido e desfrutar de uma corrida de trail running na sua plenitude. Eis o essencial:

1 – Sapatilhas de trail running.
2 – Diferentes camadas de roupa.
3 – Mochila /bolsa de cintura.
4 – Impermeável e corta-vento
5 – Água (garrafas ou mochila com bexiga).

Para as provas mais longas, é habitual o equipamento obrigatório incluir os seguintes elementos:

1 – Impermeável.
2 – Apito.
3 – Telemóvel.
4 – Manta de sobrevivência.
5 – Um litro mínimo de reserva de água.
6 – Quantidade mínima de suplementação calórica.
7 – Bastões.

Vários tipos de trail
Trail curto – até à distância mítica de meia maratona.
Trail longo – Acima de 21 quilómetros e abaixo de 42 quilómetros.
Ultra trail – Acima dos 42 quilómetros (as distâncias mais usuais são os 50km, 80 Km, 100km, 160 Km).