Um praticante de Desporto é, por natureza, uma pessoa activa, e essa sua actividade leva-o muitas vezes a esquecer que os anos vão a avançar e, naturalmente, quase sem se dar por isso, perdem-se algumas faculdades físicas. Uma delas, ou melhor, um grupo delas, o de base psicológica, é o menos atingido, pelo que o chamado espírito competitivo do desportista se mantém muito activo mesmo com o avançar da idade.

O que acabo de referir assume papel mais preponderante quando estamos em presença de antigos corredores. Por exemplo,  quem, aos 30 anos, conseguia correr 10 km na casa dos 30/35 minutos, convence-se que, 15 ou 20 anos mais tarde, ainda está apto para efectuar a mesma distância em 35/40 minutos, o que, na esmagadora maioria das vezes, não é possível. E ~ isto devido à degradação de determinadas (14\’ faculdades físicas, não obstante, ser reconhecido  cientificamente que os esforços de Endurance são aqueles que mais convêm aos veteranos.

Este quadro que acabei de assinalar leva a que o atleta veterano, na ânsia de conseguir determinadas marcas que julga estar perfeitamente ao seu alcance dado o seu passado desportivo, enfrente os treinos com mais assiduidade e, com o acumular de quilómetros, caia em situação de lesões graves.

Publicidade

O MAIS IMPORTANTE…

Para se ser corredor veterano não basta já ter completado 40 anos! Para mim, ser corredor veterano é estar perante alguém que sabe dosear o peso da idade com o peso dos quilómetros percorridos quando treina. Se assim não for, a chamada sabedoria da experiência acumulada pelo corredor mais idoso não tem nenhum valor. Bem vistas as coisas, o mais importante para quem, com mais de 40 anos, gosta de correr, é exatamente o facto de PODER CORRER, e o maior castigo que lhe pode ser imposto, é criar-lhe uma situação suscetível de originar qualquer lesão grave que o obrigue a ficar isento de exercício físico durante várias semanas.

Isso é o mais importante para todos os veteranos e estou em crer que não haverá nenhum leitor da revista que possa discordar desta minha afirmação.

A regra número um para o corredor veterano é aprender a ‘aperceber-se das sensações do seu próprio corpo. Uma dor aqui, outra ali, pode ser o sinal, um bom sinal, para reduzir o volume de quilómetros e talvez tirar
dois ou três dias de descanso, Saber sentir o seu próprio corpo assume um valor quase tão grande para os corredores menos jovens, como estar acompanhado permanentemente por bom treinador.

Não é fácil essa “coisa” de se sentir o corpo, pois passa muito pela experiência individual do desportista. Se cada atleta é um caso, tratando-se de veterano ainda mais isso se acentua. Daí o valor extremamente importante que representa a utilização do Diário de Treino, um caderno em que, ao longo de várias épocas, se assinalam os vários tipos de treino, sobretudo as lesões, os treinos menos conseguidos e tudo aquilo que deve ser banido consoante a idade vai aumentando.

De nada vale esquematizar um magnífico plano de treino se, depois, o corredor não tiver a sensibilidade de o adaptar às suas particularidades de cada dia. Infelizmente, o que assistimos é a maioria dos corredores tentarem seguir à risca o plano já estabelecido, esquecendo-se que o corpo humano não é nenhum máquina. Desta forma, a primeira regra é saber adaptar os treinos aos condicionalismos inerentes ao estatuto de desportista veterano.

SEGUNDA REGRA
Clama-se que o maior Inimigo de uma pessoa de certa idade é a imobilidade e está provado cientificamente que, para manter os órgãos humanos em bom funcionamento, assim como toda a estrutura muscular, há que manter activos os respectivos parâmetros. O célebre fisiologista alemão Ernst Van Aaken 12uma expressão bem elucidativa: O imobilismo até destrói um tanque de guerra!
Nesta sequência, impõe-se que, com o avançar da idade, a pessoa se mantenha activa tanto quanto possível, exactamente para conseguir que os seus órgãos não percam tão depressa as suas faculdades. Nós, corredores, temos perfeita noção de tudo isso, e sabemos também que uma semana completa sem se correr reduz a Forma muito significativamente …

Acontecerá o mesmo com os veteranos? Vejamos o que nos diz a segunda regra! Com o avançar da idade, os períodos de recuperação vão sendo mais lentos e, portanto, há que prever utI espaço maior entre os treinos mais duros ou prolongados. Se os especialistas dizem que a maioria dos desportistas na casa dos 30 anos necessitará de 21 dias para recuperar de uma maratona e de 9 quando entra em conjunção de 21 km, tratando-se de um corredor vivo com  50 anos, tais valores têm de ser acrescidos de 30%. Infelizmente, praticantes de corrida com várias épocas no seu historial esquecem-se deste pormenor e acabam por cair em situações de fadiga permanente, e o mais grave é que na maioria dos casos desconhecem as suas causas.

A par desta realidade, existe uma outra que ainda agrava mais o panorama. Refiro-me a que uma boa percentagem dos veteranos de escalões mais avançados estão já reformados, ou seja, dispõem, portanto, de mais tempo livre para fazerem aquilo que mais apreciam. Tratando-se de um corredor, é absolutamente lógico que comece a treinar mais, e o mesmo é dizer quero risco de lesão e de fadiga passa a ser muito maior.

Por exemplo, um corredor, na sua fase activa de vida profissional, treinou durante anos três ou quatro vezes por semana. Ao atingir a idade da reforma, é natural que comece a correr todos os dias …

Portanto, há que prever um maior intervalo entre cada uma das sessões mais exigentes. A utilização de outras modalidades pode constituir uma excelente opção, sobretudo o Ciclismo e a Natação. Ainda tomando o exemplo do atleta que treinava semanalmente três ou quatro vezes, o que lhe aconselharíamos, ao reformar-se, era utilizar nos outros dias da semana as duas modalidades atrás apontadas, o que significa poder beneficiar diariamente de exercício físico e evitar situações de stresse muscular e não só.

O VALOR DA ENDURANCE
O terceiro princípio que me parece fundamental, relaciona-se com a especificidade do treino, pois, à medida que os anos passam, os esforços devem concentrar-se na área aeróbia, ou seja, a que possibilita manter uma
conversação quase normal durante o esforço ..É aquilo que se designa por Endurànce. Andamentos rápidos centrados na Resistência devem sofrer redução por exigirem cargas suplementares de energia pouco benéficas para os mais velhos. Há que ter em atenção a opinião dos fisiologistas, que nos dizem existir uma
redução de 5% por cada década, a partir dos 40 anos, mesmo tratando-se de esforços em Endurance.

Se fosse colocada num dos pratos de uma balança a quantidade de quilómetros e, no outro, a velocidade desses mesmos quilómetros, a balança indicaria maior peso no prato da quantidade!
Executar corridas que exijam menor velocidade, é outra precaução a tomar, e o mesmo é dizer que os esforços devem ter preferência. De grande utilidade, é a inclusão no plano de treino da chamada sessão longa, ou  seja, um treino com duração de cerca de duas horas, em que o corredor aplique um andamento lento e fácil. Para os veteranos que tiverem maior dificuldade, poderão ser utilizados períodos de 5 a 10 minutos de caminhada durante todo o treino, a possibilitar um menor desgaste muscular e privilegiando, principalmente, o tempo total em que o esforço é desenvolvido.

ÁGUA IGUALA OURO!
o metabolismo do jovem desportista é muito mais activo quando comparado com o de jndivíduos na casa dos 50 anos. Isto não é novidade para ninguém, mas tem uma consequência para o idoso. Ele necessitará de
dormir e comer menos por ser isso que o seu organismo exige. Porém, para o desportista, há algo que se deve manter ao mesmo nível e até em nível um pouco superior: refiro-me à ingestão de água! Esta é a minha quarta regra a não esquecer, embora até seja esquecida pelos mais novos

Se às crianças, desde a mais tenra idade, se ensina que devem beber água quando têm sede, importa dizer a todos os praticantes desportivos, independentemente da sua idade, que devem bebê-la mesmo que não tenham qualquer réstia de sede. A água e como que um verdadeiro ouro para quem tecnica a corrida, pois facilita a recuperação e todo o tipo de acções metabólicas envolventes. Há quem aponte que se deve beber três litros de água diariamente, mas, como não defendo a existência de regras tão rígidas, aconselho a que haja o cuidado de beber vários copos de água ao longo do dia. Quando em competição, impõe-se a sua ingestão em cada período de 20 minutos por ser muito fácil perder-se massa corporal devido à normal transpiração cutânea.

As quatro regras que aqui deixei,

Maior Recuperação
Mais Água
Esforços Lentos e Prolongados
Diversificação de Actividades

podem parecer bastante óbvias, mas são frequentemente desprezadas, o que leva muitos atletas veteranos a entrar em estados de fadiga crónica ou de lesão permanente, o que representa abandono da modalidade. Ora é exactamente essa situação que nenhum apaixonado da Corrida deseja! •

Pela Dr. a Nancy Davies