Entorse da tibiotársica – pelo especialista running em fisioterapia

A entorse da Tibiotársica, especialmente em inversão (cerca de 95% dos casos), está entre as lesões mais  frequentes do sistema músculo-esquelético e, apesar de ocorrer frequentemente na locomoção normal, é mais comum no desporto. Cerca de 16% ocorre durante os treinos e 20% na competição.

No caso específico da corrida, pode acontecer devido a um mau apoio do pé, principalmente em estrada ou terreno acidentado, se bem que em pista também exista a possibilidade de ocorrência, ou também por queda, o uso de calçado inadequado ou uma brusca mudança de direcção.

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O que acontece

Na entorse em inversão (pé vira para dentro), o ligamento lateral externo (composto por 3 ligamentos) estira excessivamente (lesão de Grau I), podendo romper parcialmente (Grau II) ou totalmente (Grau III), sendo este último caso apenas passível de tratamento cirurgico. Numa lesão de profunda gravidade pode inclusive ocorrer traumatismo ósseo.

Neste caso clínico, estão várias estruturas diretamente envolvidas: a Tíbia e o Perónio (ossos da perna), o Astrágalo e o Calcâneo (ossos do Tarso) e o ligamento lateral externo com os seus ligamentos (Perónioastragalino anterior e posterior e Peróniocalcanêano).

Na zona postero-inferior do Calcâneo insere-se o Tendão de Aquiles ligado aos músculos Gastrocnémios (Gémeos) que se inserem, ao nível proximal nos côndilos do Fémur e ao Solear com inserções ao nível proximal a cerca de 1/3 da face medial da Tíbia e cabeça do Perónio e na zona distal no Tendão de Aquiles.

Estão ainda envolvidos os músculos Peroniais.

Sintomas

Existe dor contínua e localizada, edema (inchaço),  rubor e calor devido a rutura de pequenos vasos sanguíneos na zona da lesão, e consequente perda de força e equilíbrio.

Os movimentos da articulação ficam comprometidos, e nos casos mais graves deixam mesmo de ser possíveis de executar, principalmente na flexão plantar.

Primeiras acções

A primeira acção é a de recurso imediato ao gelo. A colocação não deve ser direta na pele para não criar uma queimadura pelo frio, mas de preferência usando um tecido não muito grosso entre a pele e o gelo. Se a situação o permitir, melhor ainda será o recurso à bolsa de frio/quente que se vende em qualquer farmácia e em vários tamanhos.

Existem diversas opiniões sobre o tempo e intervalo de aplicação do gelo, mas um consenso razoável será de uma aplicação de 15 a 20 minutos com intervalo de 45 entre aplicação.

A inflamação é um processo inevitável e necessário, pois é um sinal de início do processo de cicatrização do tecido, pelo que o uso do gelo como anti-inflamatório não tem como objetivo a sua interrupção.

A sua utilização permite uma vasoconstrição reduzindo o aporte sanguíneo à zona lesada, diminui o edema, baixa a temperatura e favorece a analgesia (bloqueio da dor).

Para além do gelo deve tomar-se de imediato um conjunto de acções para minurar os danos causados e ajudar à posterior recuperação. A nomenclatura de lingua inglesa usa o termo PRICE:

P – Protection

Protecção – parar de imediato e procurar estabilizar a zona

R – Rest

Repouso – não sobrecarregar a estrutura inflamada e retirar todo o movimento

A articulação pode ser imobilizada, com o cuidado de manter a função da mesma. O uso de ligaduras funcionais permite a função e protege a zona para que não entre em stress/tensão.

I – Ice (já mencionado acima)

C – Compress

Compressão com ligadura

E – Elevation

Elevação para contrariar a força de gravidade e por inerência o aporte sanguíneo

O que NÃO fazer

Tão importante como fazer, é também o conjunto de práticas que se devem evitar. Uma vez mais, recorrendo à designação inglesa, temos o termo HARM:

H – Heat

O calor produz o efeito contrário ao do gelo pelo que é totalmente contra indicado nesta fase.

A – Alcool

Irá criar uma vasodilatação, também contrária ao pretendido.

R – Runnig Activities

Contra-indicado pois irá agravar a lesão e comprometer ainda mais o movimento e a posterior recuperação

M – Massage

A manipulação de tecidos nesta fase trará dor, aporte de sangue e irá comprometer o processo inicial de cicatrização.

 

Tratamento

O diagnóstico deve ser feito por um médico ou fisioterapêuta e em caso de dúvida ou lesão mais grave serão pedidos exames complementares de diagnóstico.

O tratamento pelo massagista/fisioterapeuta é iniciado após a fase aguda (processo inflamatório), cerca do 6º ou 7º dia, no caso de uma entorse de Grau I, ou após 14 dias (2 semanas) no caso de Grau II.

Em regra, cumpre-se a seguinte sequência de tratamento:

1.Preparar a zona. Massagem profunda (fricção profunda).
Visa eliminar aderências e infiltrados, aumentar o aporte sanguíneo e o alívio da nevralgia.

2.Acção muscular concêntrica (movimento realizado no sentido da eversão contrariado pela acção do terapeuta).
Visa fortalecer os músculos eversores e os tendões.

3.Alongamento no sentido da inversão com resistência (acção excêntrica dentro dos limites de segurança).
Visa recuperar a elasticidade dos músculos eversores e dos ligamentos e aumentar o grau de liberdade articular.

4.Trabalho proprioceptivo gradual.
Visa a recuperação do equilíbrio e o controlo neuromuscular da articulação.

5.Marcha, corrida, saltitar.
Visa recuperar a função anterior à lesão.

O tempo de tratamento e recuperação irá obviamente estar dependente não só da gravidade da entorse e do tempo decorrido desde a lesão ao início do tratamento, da gravidade dos sintomas, do tipo de tratamento a realizar, da forma física e resposta do paciente.

Consequências

A falta de tratamento apropriado pode levar a um conjunto vasto de consequências, nomeadamente a Tendinite Aquiliana (Tendão de Aquiles),  sinovite da cápsula articular, contratura dos Gastrocnémios (Gémeos) e Solear, e dos músculos Peroniais, nomeadamente o Tibial Anterior. O movimento pode estar comprometido o que em casos mais graves de biomecânica, e com o decorrer do tempo, pode levar a distúrbios musculo-esqueleticos em outras zonas corporais.

Estatísticas de ocorrência

  1. Correspondem 15% de todas as lesões no desporto
  2. 31% das lesões no futebol
  3. 45% das lesões no basquetebol
  4. Cerca de 10.000 pessoas/dia (estudo Baroni, 2010; Meurer, 2010)
  5. 60 a 70% no ligamento perónio-astragalino anterior
  6. 20% no ligamento perónio-calcâneano

Conclusão

Esta é portanto uma lesão comum na prática desportiva e o tempo de incapacidade pode ser significativo, pois, após o tratamento ainda existe um período necessário à recuperação total da função anterior à lesão.

No entanto, o tratamento tem dado sinais bastante positivos quanto à possibilidade de retoma total da função.

Há que ter em atenção que a precipitação na retoma da atividade e a não observância das indicações do massagista/fisioterapeuta podem originar potenciais problemas na instabilidade ligamentar e por inerência causar outro tipo de distúrbios funcionais e mecânicos.

Por isso, não “facilite” e caso lhe aconteça uma entorse da Tibiotársica, pratique de imediato o “PRICE” e consulte o seu Fisioterapeuta.

Fonte: Mass Body – Massagem Desportiva, Relaxamento e Terapêutica